PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS COMARCA DE BELO HORIZONTE
5ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte
Avenida Raja Gabaglia, 1753, Luxemburgo, BELO HORIZONTE – MG – CEP: 30380-
900
PROCESSO Nº 5052815-47.2018.8.13.0024
CLASSE: AÇÃO POPULAR (66)
ASSUNTO: [Concessão / Permissão / Autorização, Cartel]
AUTOR: EDUARDO MACHADO SOARES CAPANEMA
RÉU: ESTADO DE MINAS GERAIS
DECISÃO
Vistos etc.
EDUARDO MACHADO SOARES CAPANEMA ajuíza AÇÃO POPULAR, com pedido liminar, em face do ESTADO DE MINAS GERAIS discorrendo que, no dia 07 de fevereiro de 2018, foi publicado o Decreto Estadual nº 47.368 que dispõe sobre o credenciamento e a contratação de Empresas Credenciadas para Vistoria de Veículos, Empresas Operadoras de Tecnologia da Informação e Empresa de Controle de Qualidade Especializado, todas para operação de vistorias de identificação veicular no Estado, inclusive a sua fiscalização, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias após a formalização do referido credenciamento. Salienta que, segundo determinado pelo referido Decreto, as vistorias veiculares serão realizadas integralmente por particulares, cabendo ao Detran/MG, basicamente, apenas a sua regulamentação. Inclusive, a fiscalização dessa atividade caberá a uma empresa privada – Empresa de Controle de Qualidade Especializado (ECQ). Afirma que o sistema de vistorias do Estado de Minas Gerais contará com 03 (três) espécies de empresas, cada uma com seu papel.
As Empresas Credenciadas em Vistoria de Veículos (ECVs) são os estabelecimentos em que efetivamente se dará a vistoria veicular. Essas são as empresas que serão procuradas pelo cidadão que busca a legalização seu veículo (art. 5º, do Decreto Estadual n° 47.368/18). Para a realização de suas atividades, as ECVs receberão parte do preço público total já previamente determinada pelo Anexo II do Decreto Estadual nº 47.368/18, quer dizer, R$100,00 ou R$135,77 em caso de vistoria móvel. As Empresas de Tecnologia da Informação (TIs) fornecerão os sistemas necessários para a realização dos serviços de vistoria, inclusive de forma a conectar as ECVs com os bancos de dados dos próprios órgãos de trânsito. Esses estabelecimentos não possuem relação direta com o usuário final, eles são contratados pelas ECVs e, para tanto, também recebem uma parte do preço público estabelecida pelo Anexo II do Decreto Estadual nº 47.368/18 (R$20,56). Cabe frisar que ambas empresas serão escolhidas pelo Detran/MG através de credenciamento, ou seja, com a dispensa de licitação pública, sem qualquer fundamentação para tanto, em especial no que tange à comprovação da “inviabilidade de competição”, prevista no art. 25, da Lei nº 8.666/93. Aduz que essa estrutura contará com uma Empresa de Controle de Qualidade Especializado (ECQ), responsável pela fiscalização de todo o procedimento, ou seja, tanto das ECVs, quanto das TIs, inclusive realizarão “a análise de todos os laudos emitidos dentro do respectivo modelo de funcionamento”, nos termos do art. 3º, do Decreto Estadual nº 47.368/18 (vide, ainda, o art. 6º do mesmo Decreto Estadual). Ressalta que, “teoricamente”, a ECQ será contratada mediante a abertura de procedimento de licitação, nos critérios de técnica e preço, fazendo jus a mais uma parte do total do preço público arrecadado para a vistoria veicular, conforme descrito no anteriormente citado Anexo II do 2 Segundo o Anexo II do Decreto Estadual nº 47.368/18, o preço público total a ser pago pelo usuário para a vistoria veicular será de R$159,31 ou R$195,08 em caso de vistoria móvel. Decreto Estadual nº 47.368/18 (preço a ser definido em licitação com valor máximo de R$29,00). Esclarece que foi utilizada a expressão “teoricamente” para a contratação de ECQ mediante procedimento licitatório sob o argumento de que o exíguo prazo conferido pelo Decreto para a instauração do sistema (45 dias) e o fato de que, até o momento, a contrário do ocorrido com as ECVs e TIs (que já contam com portarias específicas do Detran/MG), não há qualquer regulamentação sobre o tema, indicam prováveis problemas com o referido prazo no que tange a contratação da ECQ. Sustenta que todo esse sistema acaba por simplesmente criar uma diferente e sofisticada roupagem para uma mera transferência de receitas públicas à determinados particulares, sem qualquer debate ou outra forma de participação democrática, mediante ato do Poder Executivo, carente de qualquer mínima demonstração dos ganhos ao administrado ou outra
motivação desse ato administrativo e, o que é ainda mais grave, com invasão de competência legislativa da União Federal. E não é somente isso, a utilização do instituto do credenciamento determinada pelo referido Decreto, no caso específico do Decreto Mineiro, se deu em afronta à Constituição Federal e à Lei nº 8.666/93, não havendo qualquer fundamentação para a dispensa de licitação no caso em tela, em especial sobre a “inviabilidade de competição”, bem como existindo severas limitações à participação dos interessados, o que, por si só, torna ilegal a medida. A própria instituição de preços públicos contraria frontalmente o ordenamento jurídico no caso em exame, eis que os serviços de vistoria veicular são compulsórios, portanto tecnicamente remuneráveis através de taxas. Cita doutrina e jurisprudência.
Pugna, assim, pela concessão da medida liminar, para a suspensão da execução dos comandos determinados pelo Decreto Estadual nº 47.368/18, até o julgamento de mérito da presente ação, de forma a manter as atividades de vistoria veicular totalmente nas mãos do Poder Público (Detran/MG), como já ocorre atualmente.
Postergada a apreciação da liminar, após a citação do Estado de Minas Gerais, ID 43156935.
O autor apresentou Embargos de Declaração, ID43655485, requerendo a apreciação da medida liminar, vez que tem-se de provocação específica para concessão da liminar inaudita autera pars,
inclusive com fundamento específico: os prazos processuais utilizados para a
contestação, pela Advocacia Geral do Estado podem inviabilizar a eficácia da
medida.
Acolho os embargos e passo a análise da medida liminar inaudita autera pars.
Fundamentação
No âmbito da Ação Popular é lícito ao Magistrado deferir o pedido liminar, desde que preenchidas as condições específicas do fumus boni juris e do periculum in mora.
Fumus boni juris, segundo a doutrina, é a provável existência de um direito a ser tutelado no processo principal. É o direito de ação.
Periculum in mora, a seu turno, “é o receio de que, no decorrer do tempo em que será decidida a tutela do direito, o requerente venha sentir faltarem as circunstâncias favoráveis à própria tutela. É o caso de risco, destruição, perecimento ou qualquer mudança (em pessoas, bens e provas) que inviabilize a perfeita e eficaz atuação no reconhecimento do direito. É o perigo que corre o direito se houver demora na tutela.” Neste sentido, a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO POPULAR – LIMINAR – PRESENÇA DOS REQUISITOS – RECURSO DESPROVIDO.
Para a concessão da liminar em ação popular são necessários dois requisitos específicos, quais sejam:
plausibilidade, relevância da fundamentação – fumus boni juris – e que, do ato impugnado, possa resultar a ineficácia da pretensão principal, ainda que deferida ao final – periculum in mora. Demonstrados de plano, formam base legal ao deferimento da liminar. (Processo: Agravo de Instrumento-Cv 1.0433.14.019431-0/001. Relator: Des. Geraldo Augusto. 1ª Câmara Cível. Comarca de Origem: Montes Claros. Data de Julgamento: 19/08/2014.
Data da publicação: 27/08/2014.) Grifou-se.
Dito isto, passo à análise do pedido liminar do Autor.
A competência para legislar sobre matéria de trânsito, nos termos do art. 22, inciso XI, da Constituição Federal, é da União, senão vejamos:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) XI – trânsito e transporte;”
Por sua vez, a Resolução nº 466/2013 do COTRAN estabelece os procedimentos para o exercício da atividade de vistoria de identificação veicular.
Nos termos do art. 6º da mencionada Resolução:
“Art. 6º Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal:(…)
IV – monitorar e controlar todo o processo de vistoria de identificação veicular, inclusive a emissão do laudo e qualquer documento eletrônico disponível na central SISCSV, seja quando realizada por meios próprios ou por meio de pessoa jurídica de direito público ou privado, utilizando-se de tecnologia da informação adequada que realize a integração dos dados necessários, conforme regulamentação específica do DENATRAN;”
Por outro lado, o Decreto Estadual nº 47.368/18, assim determina:
Art. 1º O Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais – Detran-MG – deverá providenciar o credenciamento e a contratação de pessoas jurídicas de direito privado, para exercício da
atividade de vistoria veicular, Empresas Credenciadas em Vistoria de Veículos – ECV’s -, Empresas de Tecnologia da Informação – TI – e Empresa de Controle de Qualidade Especializado –
ECQ -, visando à operação das vistorias de identificação veicular, em conformidade com a Resolução nº 466, de 11 de dezembro de 2013, do Conselho Nacional de Trânsito – Contran.
Art. 2º Fica o Detran-MG responsável pela implantação, execução, normatização, regulamentação, contratação e credenciamentos estabelecidos no art. 1º, bem como pelo estabelecimento das demais regras necessárias à execução da vistoria de identificação veicular, à homologação de sistema informatizado e à realização de controle de qualidade especializado, respeitando-se as normativas federais.
Parágrafo único. O Detran-MG deverá providenciar a implantação do sistema de vistorias por entidades credenciadas no prazo de até quarenta e cinco dias da formalização do credenciamento.
Desta feita, em uma análise perfunctória dos autos, verifica-se que razões assistem ao autor, na medida em que o Decreto ora questionado, supostamente, contraria a legislação aplicável à vistoria veicular, o que demonstra o fumus boni iuris.
Destaca-se decisão do STF nesse sentido:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.311/1999 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL QUE DISPÕE SOBRE INSPEÇÃO VEICULAR.
COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE TRÂNSITO E TRANSPORTE. ART. 22, INC. XI DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CAUTELAR DEFERIDA. (ADI 1972 MC / RS – RIO GRANDE DO SUL, Data 16/06/1999).
Ademais, nos termos do art. 7º do Decreto em tela, há previsão que as vistorias sejam reguladas por preço público e não por taxas, transferindo assim as receitas ao particular, conflitando com o poder de polícia do Estado.
Ressalta-se que a adoção do credenciamento para a escolha das empresas particulares, também conflita, em uma primeira análise, com a lei de licitação, haja vista que não foram demonstrados os requisitos para sua dispensa.
Verifica-se, ainda, o periculum in mora, haja vista que o procedimento de credenciamento já está em andamento, havendo inclusive quatro empresas de TI cadastradas junto ao DETRAN efetivamente e publicação para credenciamento de empresas ECVs, conforme documentos juntados.
Portanto, defiro o pedido de medida liminar. Conclusão POSTO ISSO, defiro a medida liminar pleiteada, inaudita altera parte, suspendendo-se a execução dos comandos determinados
pelo Decreto Estadual nº 47.368/18, até o julgamento de mérito da presente ação, de forma a manter as atividades de vistoria veicular totalmente nas mãos do Poder Público (Detran/MG), como já ocorre atualmente.
Já tendo havido a citação do réu, intime-o da presente decisão.
Intime-se o representante do Ministério Público, conforme disposição do art. 7º, I, “a”, da Lei nº 4.717/65.
Intimem-se.
Belo Horizonte, 09 de julho de 2018.
Assinado eletronicamente por: CLAUDIA COSTA CRUZ TEIXEIRA FONTES
23/07/2018 15:52:27
https://pje.tjmg.jus.br:443/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento:
180723155226178000000457
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